D. Fernando II e o Parque da Pena
- ph3020
- Mar 22
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Updated: May 13
O projeto do Parque e Palácio da Pena são fruto da visão e vontade do príncipe alemão, Fernando de Saxe-Cobugo e Gotha.
Fernando Augusto do Koháry Saxe-Coburgo e Gotha nasceu a 29 de outubro de 1816, em Viena. Foi o filho mais velho do Duque Fernando Jorge Augusto (1785 – 1851), Príncipe de Saxe-Coburgo e Gotha, e de Maria Antónia Gabriela (1797 – 1862), Princesa de Koháry. Deste modo, foi também sobrinho do duque reinante de Coburgo, Ernesto I, e do rei Leopoldo da Bélgica.
No contexto da política de união de diferentes casas reinantes europeias com a casa de Coburgo, é acordado o casamento entre D. Fernando e a rainha de Portugal, D. Maria II, em 1836. No contrato nupcial ficou definido que o príncipe receberia a dignidade de rei consorte, após o nascimento do primeiro filho varão (que viria a acontecer logo em setembro de 1837).
Recebeu uma educação cuidada e humanista, onde a literatura e as artes, nomeadamente a música e o desenho, desempenharam um papel fundamental. Homem de elevada cultura, estudou botânica e dominava ao todo sete línguas: alemão, húngaro, francês, inglês, espanhol, italiano e português. Assim, após o insucesso do seu papel enquanto marechal-general do Exército, logo em 1836, acabaria por se dedicar às artes e à cultura, enquanto patrono, colecionador e artista, conferindo-lhe o cognome de Rei-Artista.
Dois anos após a sua chegada a Portugal, em 1838, adquiriu as ruínas do extinto Mosteiro Jerónimo de Nossa Senhora da Pena, fundado por D. Manuel I no topo da Serra de Sintra. Iniciou de imediato uma obra de adaptação do edificado para sua residência privada, sob a influência da moda dos castelos românticos germânicos. Ao longo do tempo, foi adquirindo terrenos em redor da cerca da Pena, transformando a propriedade original num parque com cerca de 85 hectares. As alterações que imprimiu sobre a paisagem de Sintra recordavam-no da sua terra natal. Deste modo, dedicou-se pessoalmente ao projeto do Parque, cujo planeamento começou em 1839.
Após a morte da Rainha D. Maria II, em 1853, e a subsequente união à cantora lírica, Elise Hensler, D. Fernando e a sua segunda mulher continuariam, em conjunto, a trabalhar a paisagem do Parque, que incluiu a construção do Chalet, de jardins novos, de uma quinta ornamental, de estufas e, até, de uma plantação de chá.
Apesar da intervenção direta do rei no desenho e planeamento do Parque, o programa contou com o contributo de figuras como o Barão de Eschwege, geólogo, geógrafo, arquiteto e metalúrgico, com profundo conhecimento em áreas tão diversas como hidrologia, botânica, jardinagem, agricultura e silvicultura; do jardineiro francês Jean-Baptiste Désiré Bonnard ou de Wenceslau Cifka, artista e fotógrafo amador.
Enquanto colecionador, revelou uma tendência para o ecletismo, tão característico do Romantismo e que terá consequência direta no programa do Parque. A dimensão cenográfica desta criação eclética e romântica ditou a sua conceção à luz do conceito de obra de arte total (Gesamtkunstwerk), que resultou num espaço onde os visitantes são frequentemente surpreendidos por se encontrarem no seio de um cenário de tal modo luxuriante e dramático que seria digno de uma ópera wagneriana. As intervenções na paisagem do Parque mantiveram-se praticamente ininterruptas até meados de 1870 e transformaram, de modo dramático, a paisagem montanhosa da serra.
D. Fernando morreu em 1885 e deixou o Parque e Palácio à sua segunda mulher, Elise Hensler, entretanto agraciada com o título de Condessa de Edla, em 1869, por ocasião do seu casamento com o rei consorte. Cinco anos mais tarde, após processo judicial, a Condessa concordou em vender a propriedade ao Estado Português e em usufruir do direito de residir e beneficiar do Chalet e Jardim. Mais tarde, em 1904, acabou por rescindir esse direito.
Em 1911, em sequência da Implantação da República, o Parque e o Palácio são separados, passando a estar sob a alçada de ministérios distintos, facto que se prolongou até 2000. Neste contexto, o parque e os jardins passaram a ser geridos pelos serviços florestais do Estado e todas as construções foram negligenciadas. Cada estrutura governativa tinha a sua visão e objetivo para o espaço, o que levou à degradação de todo o conjunto. No início do século XXI, a área visitável reduzia-se sobretudo ao percurso entre a atual entrada principal do parque e a do palácio, representando menos de 10% da sua área total da propriedade.
Em 2007, a Parques de Sintra - Monte da Lua foi criada com a intenção de reunir a gestão dos espaços sob uma única visão. Ao longo dos anos, a área visitável do parque foi aumentando até chegar aos 100% do Parque aberto ao público, já em 2017.
Para alcançar estes resultados, desenvolveram-se sistemas de estudo/investigação. Foram fundamentais um conjunto de fundos que possibilitaram a reabilitação do espaço (nomeadamente o EEA Grants, que permitiu a recuperação do Chalet e do Jardim da Condessa entre 2008 e 2012 e a Quinta Ornamental, entre 2009 e 2013).
Durante este ambicioso projeto, identificou-se a falta de informação no que respeitava à diversidade e valor da coleção botânica do parque, desenvolvendo-se um inventário botânico baseado no sistema SIG (Sistema de Informação Geográfica) que resultou na identificação de mais de 35.000 árvores. Em simultâneo, desenvolveu-se um estudo do complexo sistema de abastecimento de água, muito negligenciado. O sistema de rega foi reabilitado, através da escavação de minas, aquedutos, canais e canalizações, e o carácter decorativo que a água assumia no parque foi reanimado. Todo este trabalho foi sempre apoiado na investigação historiográfica (cartografia histórica, iconografia, fotografia e bibliografia) e prospeções arqueológicas.